Com promessas de cortes, taxação de lucros e ajustes fiscais, governo busca equilibrar a conta da medida, que deve beneficiar 36 milhões de contribuintes (Por Allan Ravagnani) - foto divulgação -
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou na noite desta quarta-feira 27 a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda para trabalhadores que recebem até 5 mil reais por mês. A medida, prometida na campanha de Luiz Inácio Lula da Silva em 2022, deve entrar em vigor em 2026. Também foram anunciadas as linhas gerais de um pacote de ajustes fiscais.
O pronunciamento, transmitido em rede nacional, teve como objetivo apresentar o plano do governo para equilibrar o orçamento público diante do impacto financeiro causado pela isenção. O caminho até a implementação, contudo, será desafiador.
Como a nova isenção será aplicada
Atualmente, apenas quem recebe até 2.259,20 reais por mês está isento do Imposto de Renda. Com a ampliação, a nova faixa incluirá rendimentos de até 5 mil, o que beneficiará um enorme contingente de contribuintes – mais exatamente, 36 milhões, segundo cálculos da a Associação Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), quase 80% dos 46 milhões que declaram IR anualmente.
A mudança, contudo, deve trazer uma redução estimada de 40 bilhões a 65 bilhões de reais por ano na arrecadação federal. Para compensar essa perda, o governo propõe a taxação de lucros e dividendos superiores a 50 mil reais por mês. Hoje, lucros e dividendos são isentos de tributação, independentemente do montante.
Segundo o Ministério da Fazenda, a medida busca neutralizar o impacto fiscal – e depende de aprovação no Congresso Nacional.
Neimar Rossetto, contador e gerente de produtos no Grupo Nimbus, destaca a complexidade da aprovação. “A Lei de Responsabilidade Fiscal exige que a renúncia de receita venha acompanhada de uma fonte compensatória. A taxação sobre lucros distribuídos acima de 50 mil reais por mês parece ser o caminho escolhido, mas sua aprovação não será simples”, afirma.
Congresso, cortes e contrapartidas
O pronunciamento desta noite foi o primeiro passo em uma longa e complexa negociação. Por isso, o pacote foi dividido em dois projetos: um dedicado aos cortes de gastos e outro às mudanças na tributação. “O risco é que a isenção seja aprovada rapidamente, enquanto as novas tributações fiquem pelo caminho”, avalia Igor Lucena, economista da Amero Consulting. “Isso pressionaria ainda mais as contas públicas e ampliaria o descrédito entre os investidores.”
Para equilibrar a percepção pública das medidas, o governo optou por unir a isenção do IR ao pacote fiscal como forma. Entre as propostas estão mudanças nos benefícios militares, o fim dos ‘supersalários’ e um chamado para que beneficiários do Bolsa Família atualizem seus dados. Segundo o Ministério da Fazenda, essas medidas podem gerar uma economia anual de 30 bilhões a 40 bilhões de reais.
Marcelo John, advogado tributarista, destaca a importância dos ajustes para viabilizar a isenção. “As mudanças em benefícios militares e a revisão de gastos são sinais de que o governo está disposto a enfrentar áreas sensíveis para equilibrar o orçamento”, defende.
A reação do mercado financeiro
A expectativa sobre o anúncio provocou forte reação no mercado financeiro. O dólar disparou, ultrapassando os 5,90 reais, em um movimento que reflete a resistência da Faria Lima à proposta e seu ceticismo quanto à disposição fiscalista do governo.
Lucena resume essa perspectiva. “A ampliação da isenção do IR é vista como positiva para os trabalhadores, mas o mercado está cético sobre como o governo irá compensar essa perda de receita”, explica. “A taxação de ultra-ricos, por exemplo, enfrenta desafios práticos, já que muitos podem transferir seus recursos para holdings ou buscar vantagens fiscais no exterior.”
Para Marcos Moreira, sócio da WMS Capital, a reforma da tabela de Imposto de Renda para pessoa física foi uma das principais pautas do governo Lula durante a corrida presidencial em 2022, então já era esperado que em algum momento o tema voltaria ao radar, no entanto, o fato de vir em um momento que o mercado espera o anúncio do pacote de contenção de gastos gerou um cenário de grande aversão a risco.
“Após vazamento dessa possível isenção de IR, o mercado passou a precificar juros próximos a 14% na parte intermediária da curva de juros, o que será necessário, caso esse cenário se confirme, para conter o avanço do dólar e da inflação”, disse Moreira.
José Cassiolato, sócio da RGW Investimentos, afirmou que a reação do mercado em antecipação ao anúncio de medidas fiscais reforça a importância de uma comunicação clara e estratégica ao longo do processo de revisão das contas públicas. Para ele, a falta de alinhamento entre intenção e narrativa tem um custo significativo, tanto em termos de percepção quanto de volatilidade no mercado.
“Não acreditamos que faz sentido estimar o impacto fiscal da proposta de isenção para pessoas físicas com rendimentos mensais de até R$ 5 mil isoladamente, é evidente que a redução na arrecadação proveniente dessa medida, cujo objetivo é promover maior progressividade tributária, precisaria ser compensada por ajustes em outras áreas. É importante destacar que exemplos internacionais de políticas de tributação da poupança doméstica já demonstraram riscos de fuga de capitais. Esse é um ponto sensível que desperta preocupações legítimas entre investidores brasileiros sobre os efeitos práticos de iniciativas que, apesar de bem-intencionadas, podem ter consequências adversas.”, disse Cassiolato. (Fonte: Carta Capital)
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