Índice Folha de Equilíbrio Racial revela piora do indicador em 9 das 27 cidades; Norte e Nordeste avançam, mas São Paulo e Rio de Janeiro têm desafios (Por Douglas Gavras e Tiago Cardoso) - imagem reprodução -
"A gente não tem a opção de desistir", resume a empresária baiana Najara Souza, 41, dona da marca de moda NBlack, que ela abriu após ser discriminada em uma entrevista de emprego. "Disseram que o meu cabelo era inadequado."
Ao não conseguir a vaga, ela começou a criar roupas até abrir a primeira loja em uma galeria de Salvador. Hoje, com 19 anos de mercado, faz atendimentos online e dá palestras e mentorias sobre afroempreendedorismo.
"Precisei colar os cacos várias vezes até virar empresária no shopping em que não me deixavam ser vendedora. Nem todo mundo vai conseguir chegar, mas a gente pode ajudar instruindo, orientando e, se tiver a oportunidade, levando outras pessoas junto."
Apesar de avanços, em dez anos, um terço das capitais brasileiras ficou mais desigual em oportunidades para os negros (pretos e pardos) em relação aos brancos, de acordo com o mais recente Ifer (Índice Folha de Equilíbrio Racial).
Das 26 capitais mais o Distrito Federal, 17 melhoraram no indicador de equilíbrio racial, de 2012 a 2022. Rio Branco (AC) ficou praticamente estagnada, enquanto 9 delas viram o dado piorar.
Os números vêm de um trabalho dos pesquisadores do Núcleo de Estudos Raciais do Insper Alysson Portella, Daniel Duque, Fillipi Nascimento e Michael França (também colunista da Folha).
"Para um progresso real, não podemos simplesmente esperar que uma ou outra política resolva as profundas desigualdades. Isso exige uma ação coordenada, em várias frentes: na educação, no mercado de trabalho, na saúde e na segurança pública", diz França.
"Os governos locais têm um papel relevante, pois estão mais próximos da realidade de suas populações e podem identificar os desafios regionais com mais precisão. Ao mesmo tempo, o governo nacional precisa coordenar políticas de alcance mais amplo, fornecendo suporte financeiro, técnico e normativo, além de criar diretrizes gerais que um melhor enfrentamento das desigualdades raciais."
Índice traz detalhes sobre as desigualdades nas capitais
Em anos anteriores, o índice avaliou estados e regiões brasileiras. É a primeira vez que traz o desempenho com detalhe para as capitais, informação que se torna ainda mais relevante com a proximidade das eleições municipais, com o primeiro turno no próximo dia 6.
O indicador funciona assim: varia de -1 a 1. Quanto mais próximo de -1, maior é a representação dos brancos em relação aos negros. O ponto zero é o de equilíbrio.
No período, Macapá e Salvador representam as duas pontas da desigualdade: enquanto a capital do Amapá é o caso de maior progresso (de -0,14 para -0,02), a cidade baiana foi a que teve maior retrocesso na equidade (de -0,31 para -0,41).
Já São Paulo tinha o pior indicador em 2012, de -0,48. A cidade até avançou nos dez anos seguintes, mas só até o segundo pior lugar em termos de equilíbrio racial no país, agora com -0,39.
O Rio de Janeiro, que em 2012 era a segunda pior capital, em 2022 aparece como a terceira pior, com -0,36.
No dado nacional, o Ifer melhorou de -0,35, em 2012, para -0,31, em 2022, indicando um leve progresso na equidade racial.
O índice principal é composto de indicadores de educação, renda e longevidade.
Em capitais das regiões Norte e Nordeste, o avanço em educação e renda impulsionou positivamente o resultado principal.
Em Macapá, por exemplo, houve melhora de 0,15 ponto no aspecto educacional e de 0,21 ponto no de renda. Um movimento semelhante ocorreu em Palmas (TO), Boa Vista (RR) e Aracaju (SE).
"Em lugares mais desenvolvidos, a gente tende a ter um desequilíbrio maior. A cidade cresce e os moradores negros, que pagam um pedágio durante a vida, tendem a ficar para trás. O estudo em nível estadual que fizemos no passado já mostrava que o maior desequilíbrio era no Sudeste e no Sul", pondera França.
"Mesmo em cidades ricas, como São Paulo e Rio de Janeiro, falta um olhar não só para a questão racial, mas para a desigualdade como um todo. O Brasil é um país que sempre foi desigual, e políticas universais feitas sem pensar nas particularidades raciais podem não chegar aos mais vulneráveis", diz Portella.
Na dimensão educacional, apenas dois municípios, Porto Alegre (RS) e Porto Velho (RO), apresentaram piora, dez caíram no quesito renda e 14 cidades apresentaram retrocesso em longevidade.
A piora dos resultados em diversos casos reforça que avanços na questão racial não são uma garantia, e políticas públicas pensadas para enfrentar diretamente o problema são necessárias, dizem os especialistas.
O acesso ao crédito ajuda a reduzir desigualdades, e a população negra historicamente tem mais dificuldades de obter financiamentos lembra Hebe Silva, coordenadora de Administração e Finanças do Baobá (fundo para equidade racial).
"O crédito deve ser visto como investimento social, ligado à educação financeira, para uma população que vê o dinheiro como sobrevivência", afirma ela.
Como o Ifer funciona?
- O que compõe o Ifer?
- O que significa o número negativo?
- E o resultado perto de zero?
Na formulação do Ifer são usados microdados da PnadC (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Para a análise do índice na dimensão educação é usada a variável que indica a conclusão do ensino superior, englobando também os brasileiros com pós-graduação (especialização, mestrado e doutorado).
Já o indicador de longevidade considera a idade dos participantes na data da pesquisa; o de renda, por sua vez, capta os rendimentos totais, provenientes de todas as fontes, não apenas do trabalho.
Pelos resultados, a longevidade é única área que apresenta uma tendência de piora nos últimos dez anos em nível nacional: o índice passa de −0,12, em 2012, para −0,15, em 2022.
Segundo os pesquisadores, o retrocesso sugere que as condições de vida e os determinantes sociais da saúde que afetam a longevidade não melhoraram para a população negra.
Diferentes fatores, como acesso a médicos, condições de trabalho e questões socioeconômicas mais amplas podem ter contribuído para essa tendência.
Também é possível que o índice tenha sido influenciado por algum efeito secundário da pandemia de Covid-19, que exacerbou desigualdades preexistentes.
"O SUS é fundamental para a redução das desigualdades", avalia Hilton Silva, da UFPA (Universidade Federal do Pará) e da UnB (Universidade de Brasília).
"O governo federal vem se empenhando, mas há dificuldade em implementar políticas. O racismo ainda é tabu na ponta do atendimento e há dificuldade em percebê-lo como um determinante social de saúde." (Fonte: Folha de SP)
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