Estimular a participação de representantes dos trabalhadores nos conselhos de administração das empresas é uma prática saudável e sustentável (Por Maria Rita Serrano*)
Em nota técnica prevista para a próxima Carta de Conjuntura da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (Conjuscs), tratarei das eleições de trabalhadores para os conselhos de administração das empresas. Abordo inclusive a experiência internacional. Aqui explanarei especificamente sobre a experiência brasileira.
No Brasil, a primeira iniciativa de presença de trabalhadores em órgãos internos de empresas aconteceu no governo Getúlio Vargas com a criação da Cipa – Comissão Interna de prevenção de Acidentes, que teve sua origem a partir do Art. 82 do Decreto-Lei 7.036, de 10 de novembro de 1944:
“Art. 82. Os empregadores, cujo número de empregados seja superior a 100, deverão providenciar a organização, em seus estabelecimentos, de comissões internas, com representantes dos empregados, para o fim de estimular o interesse pelas questões de prevenção de acidentes, apresentar sugestões quanto à orientação e fiscalização das medidas de proteção ao trabalho, realizar palestras instrutivas, propor a instituição de concursos e prêmios e tomar outras providências, tendentes a educar o empregado na prática de prevenir acidentes.”
A Constituição Federal (CF) de 1967 – com a Emenda Constitucional n ° 1, de 17.10.1969 – acolheu, enfim, sob a influência alienígena, a participação dos trabalhadores na gestão da empresa, ao assegurar-lhes a “integração na vida e no desenvolvimento da empresa, com participação nos lucros e, excepcionalmente, na gestão, segundo for estabelecido em lei” (artigo 165, inciso V). No entanto, tal prescrição revelou-se letra morta, face a não regulamentação ordinária do tema. Igualmente, no mesmo alinhamento, a CF de 1988, art. 7°, XI, praticamente reproduziu a previsão constitucional anterior, garantindo aos empregados a “participação nos lucros e resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei”.
Na década de 1990 houve iniciativas de eleger trabalhadores para diretorias executivas de bancos públicos, exemplos foram a Caixa, BB, Banespa, Nossa Caixa. A experiência não se consolidou, o governo FHC com sua política privatista e de perseguição às representações, acabou com essa garantia.
Somente em novembro de 2001, a Lei 10.303 introduziu significativas alterações nas leis 6.404/76 e 6.385/76. No contexto dessa reforma legal, entre outras importantes matérias, admitiu-se a participação de representante dos empregados no Conselho de Administração das companhias
Da nova previsão legal, pode-se extrair que: o modelo participativo dos empregados é facultativo aos acionistas; caberá ao estatuto da companhia a sua regulamentação; a participação é reservada a “representantes” dos empregados; os conselheiros representantes serão eleitos diretamente pelos empregados; haverá participação dos sindicatos que representam os trabalhadores; a companhia organizará a eleição.
No final do seu governo, o ex-presidente Lula sancionou a Lei nº 12.353, em 28/12/2010, regulamentada pela Portaria 26/2011 do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, tornando obrigatória a participação de um representante dos empregados nos conselhos de administração das empresas estatais com número superior a 200 (duzentos) empregados próprios. A referida lei estabeleceu que a escolha do representante dos empregados dentre os empregados ativos da empresa pública, pelo voto direto de seus pares, em eleição organizada pela empresa em conjunto com as entidades sindicais que os representem.
Com a edição da Lei 13.303, de 30/06/2016, a chamada “Lei das Estatais” ou “Lei de Responsabilidade das Estatais”, posteriormente regulamentada pelo Decreto 8.945/2016, de 27/12/2016, o direito à representatividade dos empregados no Conselho de Administração foi reforçado, por meio do artigo 19 da Lei e 33 do Decreto, que garantiram a participação, no Conselho de Administração, de representante dos empregados.
Participação dos trabalhadores na empresa é tema complexo tanto no que se refere a sua formulação teórica, quanto no que diz respeito a experiências práticas verificadas no mundo (pluralidade de regulações e suscetibilidade a fatores exógenos às relações de trabalho — como crises políticas e econômicas). Do ponto de vista sindical, apresenta oportunidades e ameaças: instrumento para influenciar as decisões gerenciais versus conflitos de interesses, capacitação, responsabilidade civil e criminal pelas decisões tomadas, desequilíbrio de forças entre os membros dos órgãos diretivos.
A constante evolução do direito de participação, somada à sua relativamente recente implementação, recomendam que o movimento sindical se aproprie do tema para decidir sobre uma ação estratégica. Afinal, embora o uso de mecanismos de participação comporte riscos, é uma ferramenta adicional de luta por melhores condições de trabalho e de vida, que pode ser imprescindível em contextos de crise econômica e financeira.
Existem estudos que sugerem os benefícios dos sistemas de participação para o enfrentamento dos períodos de crise econômica — como teria ocorrido, por exemplo, na Alemanha por ocasião da crise de 2008.
Com a conquista de lei específica no governo Lula as eleições de representantes de trabalhadores nos conselhos de administração de empresas públicas ficaram garantidas. Mas ainda há muitas dúvidas sobre aspectos legais que orientam tal função.
Nas empresas públicas federais, existem hoje em torno de 461 conselheiros indicados pelo governo, e desses, 50 são eleitos pelos trabalhadores. As poucas empresas públicas estaduais, com mais de 200 empregados, também contam com eleitos.
É preciso destacar que existem poucas mulheres no cargo – a presença feminina não ultrapassa os 12% no Brasil, no conjunto do setor empresarial. Nas estatais federais, alcança 28% entre os eleitos por trabalhadores.
Assim como nos anos FHC, é preciso frisar, ainda, que no atual governo de Jair Bolsonaro os conselheiros que representam os trabalhadores nas estatais vivenciam ataques ao desempenho de suas funções. Seja por se posicionarem contrariamente às privatizações, seja pela defesa intransigente do papel da empresa pública e da valorização de seus funcionários. São situações que colocam em risco a própria democracia, já que atentam contra um representante legitimado nos pleitos.
Está claro que esse espaço de participação ainda carece de debate mais profundo sobre o papel a ser desempenhado e sobre quais ferramentas são necessárias para garantir ao eleito, especialização e independência da gestão da empresa, para efetivamente levar o olhar dos trabalhadores e os interesses socais para a alta administração, melhorando dessa forma a governança, fiscalização, respeito a diversidade, ao meio ambiente e, consequentemente, o aprimoramento da democracia.
Estimular a participação de representantes dos trabalhadores nos conselhos de administração das empresas, que são instâncias que definem seu direcionamento estratégico, pode ser uma boa prática e também pode criar um contraponto importante à visão de curto prazo e de resultados imediatos imposta por dirigentes focados cumprir somente a agenda dos acionistas, sem preocupação com a sustentabilidade e perpetuidade da empresa e com suas responsabilidades junto outros atores, como empregados, fornecedores e a própria sociedade.
Tal discussão incorpora plenamente o conceito ESG – Environmental, Social and Governance, surgido em 2005, em uma conferência liderada por Kofi Annan, então secretário-geral das Organização das Nações Unidas (ONU). Esse conceito, resumidamente, expressa que a operação das empresas deve ser socialmente responsável e sustentável, e que as empresas devem ser corretamente gerenciadas, sempre atentas aos impactos gerados ao meio ambiente, à sociedade e aos parceiros e colaboradores.
Sustentabilidade e perenidade das empresas certamente serão defendidas fortemente por seus empregados presentes em seus conselhos de administração.
Essa pauta deve ser incorporada pelos sindicatos que podem ousar e, encampar o debate para garantir ampliação da representação no setor público e a conquista desse espaço de representação no setor privado.
*Rita Serrano é mestra em Administração, representante dos empregados no Conselho de Administração da Caixa Econômica Federal, conselheira fiscal da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa (Fenae) e coordenadora do Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas. (Fonte: RBA)
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